Pessoas com problemas de sono em Campinas, no interior de
São Paulo, viram um novo aliado surgir nos últimos meses: os eletrônicos
"vestíveis", como pulseiras e relógios inteligentes. Eles estão sendo
usados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para
monitorar a rotina noturna de 400 pessoas da região e mapear possíveis
problemas, como insônia, apneia e sonambulismo. Com o uso das pulseiras, esses
pacientes não tiveram de dormir no hospital com eletrodos colados ao corpo para
captar os dados.
Essa pesquisa é um exemplo de como os vestíveis se
tornaram a aposta da vez na área da saúde, uma vez que possibilitam que médicos
façam diagnósticos mais precisos e acompanhem a eficácia dos tratamentos
prescritos.
A pulseira inteligente usada pelos pesquisadores da
Unicamp, tecnicamente chamada de actígrafo, possui sensores de movimento que
detectam quando uma pessoa entra em sono profundo. Se os braços e as pernas
começam a se mexer mais devagar, o dispositivo entende que a pessoa dormiu e
começa a calcular o tempo total de horas em repouso. Estas informações ficam
armazenadas em um software desenvolvido para o aparelho e são coletadas pelos
pesquisadores em tempo real.
"Uma pesquisa completa sobre o sono exigiria que a
pessoa dormisse no laboratório", explica a pesquisadora do Departamento de
Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Tânia Marchiori.
"O aparelho complementa nosso estudo." A pesquisa já está em seu
segundo estágio, quando os pesquisadores selecionam casos de pessoas com sono irregular
para realizar uma análise mais profunda e iniciar tratamentos. "Todo mundo
aprovou. As pessoas estão receptivas a soluções práticas de tratamento",
diz a pesquisadora.
Esse tipo de estudo, que une uma das principais
tendências do mercado de tecnologia ao tratamento de doenças, não está em
prática só em Campinas. Em todo o mundo, hospitais, startups e universidades
começam a desenvolver métodos e tratamentos de saúde com a ajuda de vestíveis.
No Hospital Sírio-Libanês, localizado na cidade de São Paulo,
um concurso de inovação, realizado no ano passado, deu origem a um sistema que
pode detectar surtos de epilepsia com até 25 minutos de antecedência. O
algoritmo deve ser, em breve, embarcado em um vestível. Os sensores do
acessório vão monitorar dados como batimentos cardíacos, respiração e nível de
atividade neurológica dos pacientes. A previsão dos ataques será resultado do
cruzamento desses dados.
"Esse aparelho pode trazer mais qualidade de vida
para o portador de epilepsia. Ele poderá tomar seu medicamento antes do surto
ou parar alguma atividade de risco", afirma a pesquisadora da startup
Epistemic e uma das responsáveis pelo projeto, Paula Renata Gomez.
"O uso de vestíveis não é a solução para casos
graves, mas será essencial para o dia a dia de pessoas com doenças crônicas. É
o futuro."
Recursos
A substituição de exames invasivos por um simples
acessório inteligente traz diversos benefícios para pacientes e médicos. Se
para o paciente o uso do dispositivo resulta em menos visitas ao hospital, para
o médico trata-se do acesso a um novo mundo gigantesco de informações.
"Dados que eram coletados apenas em momentos específicos já podem ser
monitorados 24 horas, com o paciente em casa", afirma o fundador da
Carenet, empresa que desenvolve softwares para vestíveis, Immo Paul.
Nos Estados Unidos, há uma série de experiências em
andamento em hospitais e clínicas que envolvem o uso de vestíveis. No centro
médico Cedars-Sinai, na cidade de Los Angeles, médicos selecionaram 30
pacientes em estado avançado de câncer para usar pulseiras inteligentes. Os
dados coletados permitem que eles avaliem quais pacientes estão aptos a receber
quimioterapia.
Barreiras
Apesar de promissor, o uso de vestíveis na área de saúde
ainda precisa vencer uma série de desafios para se tornar realidade. O
principal deles é o alcance da tecnologia, que chegou ao mercado no fim de
2012.
Até agora, somente em mercados maduros, como Estados
Unidos e Europa, os usuários entendem o que são pulseiras e relógios
inteligentes. "As pessoas já sabem para que serve um vestível nesses
lugares", diz Paul.
O mercado ainda é pequeno. De acordo com a consultoria
IDC, 80 milhões de equipamentos vestíveis foram vendidos em 2015 no mundo - um
número baixo, se comparado ao mercado de smartphones, que alcançou 1,4 bilhão
de unidades no mesmo período.
"O mercado de vestíveis ainda é muito novo",
afirma o consultor da IDC Brasil, Pedro Hagge. "Existe uma boa perspectiva
para o futuro, mas o crescimento será num ritmo mais modesto que o
esperado."
No Brasil, o mercado é insignificante: foram
comercializados apenas 133 mil unidades, entre pulseiras e relógios
inteligentes, em 2015. "O Brasil é irrelevante com relação a mundo",
diz Hagge. A estimativa da IDC é de que o País chegue a um mercado de 375 mil
vestíveis até 2020 - apenas uma fração dos 213,6 milhões de acessórios
inteligentes que devem ser vendidos em todo o mundo.
O preço dos produtos é o principal motivo que atrasa a
adoção dos equipamentos no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos as pessoas
encontram uma pulseira básica para monitorar o sono por até US$ 20, a mais
barata à venda por aqui custa R$ 95. No caso dos relógios inteligentes mais
avançados, a diferença é ainda mais gritante: o Apple Watch, por exemplo, custa
US$ 299 - a mesma versão é vendida no Brasil por R$ 4,6 mil. Um dos motivos é a
alta carga tributária. "Porque as pessoas pagariam caro por algo que elas
nem sabem como funciona?", questiona Paul.
Desafios
Para a diretora de pesquisas do Gartner, Annette
Zimmermann, há outros desafios a serem superados para que esses dispositivos
sejam adotados em larga escala na medicina. "Infraestrutura, problemas de
regulamentação, segurança, privacidade de dados e desenvolvimento de protocolos
são alguns deles", diz.
No Brasil, a situação é mais crítica: faltam
investimentos em pesquisas que mostrem a utilidade dos equipamentos para o
trabalho dos profissionais de saúde. "Falta investimento em pesquisa e
componentes para os produtos", diz a pesquisadora da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Lúcia Nobuyasu. "Acabamos sempre atrás dos outros
países."
No longo prazo, o cenário geral deve melhorar. "Está
acontecendo uma transformação enorme que vai ajudar todas as partes",
afirma o diretor de marketing da fabricante de processadores Intel, José
Bruzadin. "A medicina vai se transformar." Quem sabe, ao mostrar os
resultados positivos na saúde, o setor de vestíveis possa, finalmente, decolar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.